18/05/2013 - Uol
A modernização de todo o sistema custará cerca de R$ 110 milhões. O total vai englobar a fabricação dos bondes e a reforma da rede elétrica, trilhos, oficina, controle operacional e segurança.
Por Julia Affonso
"Santa Teresa sem o bonde é como o Corcovado sem o Cristo Redentor. O bairro fica descaracterizado", diz o aposentado Oswaldo, morador do bairro na região central do Rio de Janeiro há 68 anos e dono de muitas histórias que envolvem o tradicional bondinho.
Fora dos trilhos desde agosto de 2011, quando um acidente matou seis pessoas e deixou mais de 50 feridas, o novo Bonde de Santa Teresa ainda não tem cara. Previsto para fevereiro deste ano, o projeto ainda não foi apresentado ao governo estadual pela empresa vencedora da licitação, o que deve vai atrasar a volta dos bondes ao bairro, segundo avaliação do Crea-RJ (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado do Rio de Janeiro). O governo informou, em nota, que o protótipo deverá ser entregue até o fim deste mês.
De acordo com o Conselho, são necessários um ano e seis meses para colocar o bonde em circulação: um para construí-lo e o restante do tempo para realização de testes de segurança. A primeira previsão do governo estadual era de que o bonde estivesse circulando no primeiro trimestre de 2014. A última informação divulgada pela Secretaria Estadual da Casa Civil, no entanto, é de que ele estará funcionando no fim do primeiro semestre do ano que vem, quase três anos depois de ter saído de circulação.
"As ladeiras de Santa Teresa são muito íngremes, com curvas bem fechadas, então os testes com os bondes têm que ser feitos lá mesmo e não na fábrica, onde as condições são outras. O governo vai ter que correr bastante pra colocá-lo para funcionar no prazo que deu. Não é um bonde, são 14", explica o engenheiro Luis Antonio Cosenza, vice-presidente do Crea-RJ.
De acordo com a Secretaria Estadual da Casa Civil, os 14 bondinhos fazem parte da nova frota do projeto de revitalização do Sistema de Bondes de Santa Teresa, que inclui ainda troca dos trilhos e trajeto 30% maior, passando de 7,2 km para 10,5 km.
A modernização de todo o sistema custará cerca de R$ 110 milhões. O total vai englobar a fabricação dos bondes e a reforma da rede elétrica, trilhos, oficina, controle operacional e segurança.
Em março deste ano, o consórcio Elmo-Azvi foi o vencedor da licitação para produção da via permanente, rede aérea e subestação de energia do sistema de bondes de Santa Teresa. As obras ainda não começaram.
O trajeto terá seus trilhos trocados por outros feitos para terrenos irregulares, mas manterá o mesmo traçado, tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em abril de 2012.
Em nota, o órgão informou que, por sua importância histórica e paisagística, o tombamento preserva o trajeto, que começa "na estação junto ao Largo da Carioca, seguindo até o Largo dos Guimarães, onde se bifurca em direção ao Largo das Neves, no Paula Mattos e em direção ao ponto denominado Dois Irmãos, prolongando-se daí até o Silvestre, ambos os trechos incluídos, retornando, em seu traçado de volta, até a estação junto ao Largo da Carioca."
Ainda segundo o instituto, em prol da segurança, o tombamento não especifica que tipos ou modelos de trilhos ou bondes devem ser usados no percurso no que diz respeito à tecnologia. Também foi preservado o bonde de número 2, cujo modelo foi recentemente tirado de circulação.
Reclamações
A preservação histórica dos bondes é uma das principais reivindicações da Amast (Associação de Moradores de Santa Teresa), que pede a manutenção do modelo estético dos veículos, inclusive com a permanência dos estribos nas laterais do bondinho, para que as pessoas possam andar em pé. Outro ponto de reclamação da associação é a falta de participação dos moradores na criação do projeto do bonde.
Protótipo do bondinho de Santa Teresa era previsto para fevereiro
"Nós procuramos o Estado diversas vezes para mostrar as necessidades dos moradores, mas nunca fomos ouvidos. Entramos na Justiça e agora temos ido a reuniões no Ministério Público Federal, onde a Ttrans [empresa responsável pelo projeto] nos mostra o que vai sendo planejado. O estribo não foi a causa do acidente, algumas pessoas até se salvaram por terem conseguido pular", explica o diretor de Transportes da Amast, Jacques Schwarztein. "Nós queremos que os bondes novos sejam vermelhos e só os antigos e originais sejam amarelos. Pedimos também que os bondinhos não sejam fechados, e sim abertos, como antigamente."
Para a procuradora Ana Padilha, da Justiça Federal, as reuniões têm tentado conciliar os interesses do governo e dos moradores. No entanto, nem tudo o que a Amast quer poderá ser feito.
"Hoje existe um conceito de segurança que o bonde antigo não trazia. Está se buscando uma segurança que esses conceitos antigos não suportam, então fica difícil conciliar o estribo, por exemplo, para as pessoas andarem em pé. O MP está tentando conciliar a imagem tradicional com a segurança", afirma a procuradora. "O projeto do bondinho não está terminado, não existe uma imagem, existe o que a empresa acha que ele vai ser. É preciso caminhar, seguir em frente, senão [o bonde] nunca vai ficar pronto."
VLTs
Além da questão história dos novos bondes, a Amast reclama do fato de o governo ter tirado todos os 17 bondes de circulação na época do acidente. Sete bondinhos eram do tipo VLT (Veículos Leves sobre Trilhos), e o restante era de modelos antigos.
"Quando você tem um acidente de ônibus, você não tira a frota toda de circulação. O mesmo para aviões, trens, metrôs. O acidente aconteceu com um bonde antigo, mas o sistema todo parou, incluindo os VLTs, que tinham cinco anos e estavam novos", explica Schwarztein. "Na nossa opinião, o acidente foi a saída para o governo tirar os VLTs de circulação, pois eles não serviam para andar aqui. Faziam um barulho horrível quando entravam nas curvas, pois tinham um problema no chassi. Não serviam para andar em ladeiras tão íngremes e fechadas como as de Santa Teresa, poderiam andar em Santa Cruz, em Jacarepaguá."
Relembre o acidente
Procurada pela reportagem diversas vezes, a Central (Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística), responsável pelos bondes, não respondeu às solicitações de entrevista. A Ttrans, empresa que vai fabricar os novos bondes e responsável também pelos VLTs, informou que não poderia dar informações, pois a pessoa que poderia falar sobre o assunto só voltaria de viagem no fim do mês.
"Até hoje o governo não se pronunciou sobre os VLTs que estão parados. O que será feito com eles, que são novos? Se houve um erro de projeto e eles não funcionam... A mesma empresa que fez esses veículos da outra vez está fazendo agora", diz Cosenza. "Santa Teresa perdeu 50% da atividade econômica pela falta de bonde. Se não fosse a pressão dos moradores, [o governo] nem colocava mais os bondes."
História
Além dos pedidos da Amast, outros moradores têm reivindicações a fazer. Para a aposentada Myrian Vilas Boas, moradora do bairro há 30 anos, a entrada do bonde deveria ser mais baixa, para os idosos terem acesso com mais facilidade.
"Minha perna não alcança a altura da entrada, eu tinha muita dificuldade para subir. Espero que consertem isso nessa reforma. O bonde faz muita falta, ele é indispensável em qualquer horário. Fica um tumulto no bairro sem eles, e é muito ruim andar de ônibus aqui", diz. "Os motoristas correm demais, parece que você vai cair lá embaixo em cada curva."
Para Oswaldo, o bonde é uma foram de integração social, além de servir como transporte. "Nos anos 60, se o motorneiro não te visse no ponto, ele ia na sua casa ver se você estava doente. Às vezes, a gente via uma casa fazendo uma festa, mas não tinha convite para entrar. A gente ia para a portaria e ficava lá vendo se conhecia alguém que andava no bonde", lembra o aposentado. "Muitas vezes, nós entrávamos nas festas assim."
Responsabilidade penal
O Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, determinou na última quinta-feira (16) o arquivamento do processo que apurava a responsabilidade do Secretário Estadual de Transportes, Júlio Lopes, no acidente de agosto de 2011. Segundo o Ministério Público Federal, no aspecto penal, não é possível determinar que ele seja culpado pelo acidente. (www.facebook.com/nf365)
Fonte: Uol
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