27/08/2014 - O Globo
RIO — Na véspera de se completarem três anos da maior tragédia já ocorrida com um bonde no Rio — um acidente deixou seis mortos e mais de 50 feridos —, finalmente o novo modelo do veículo que passará a ser usado em Santa Teresa chegou ao bairro. Por volta das 21h45m desta terça-feira, o novo bonde teve a lona que o cobria retirada, para ser apresentado aos moradores. O ato, no entanto, acabou acontecendo sob vaias de um grupo de cerca de 40 pessoas, que protestavam contra a demora nas obras de reforma do sistema de transporte no bairro.
O bonde ficou numa estação do Largo do Curvelo e, segundo o governo do estado, ainda à noite passaria pelos primeiros testes. Neles, o veículo não se moveria — seriam analisados, por exemplo, componentes eletrônicos e o funcionamento da rede elétrica. Serão pelo menos 30 dias de testes. De acordo com a Secretaria estadual da Casa Civil, ainda este ano, quatro novos bondes estarão circulando pelos Arcos da Lapa e pela Rua Francisco Muratori. Segundo o subsecretário da Casa Civil, Rodrigo Vieira, as obras devem ser concluídas no fim de 2015.
— Este aparente atraso é porque estamos mexendo em todo o sistema de gás, água e drenagem de Santa Teresa para aí, sim, colocarmos os trilhos. É um trabalho que não aparece muito — justificou o subsecretário.
OBRAS CAUSAM TRANSTORNOS AO BAIRRO
De acordo com o morador Carlo Lobo, 36 anos, gerente de projetos de T.I., as obras do bonde de Santa Teresa foram sinônimo de problemas para a região.
— A rua aqui está um desastre. Por conta das obras ninguém mais emprega nada aqui em Santa Teresa. As obras também, por diversas vezes nos deixaram sem água devido a furos nas tubulações causadas pelos operários e as ruas estão cheias de buracos — desabafou.
O sentimento de Carlo é compartilhado pela vice-presidente da Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast), Ana Lúcia Magalhães, 68 anos.
— Está uma buraqueira aqui. Não tem como os carros andarem mais. Eu mesma já sofri acidentes — criticou a vice-presidente.
Além dos transtornos, moradores também reclamam que os trabalhos se iniciam cedo pela manhã e vão até tarde da noite. Segundo eles, as obras caminhavam em ritmo lento até cerca de três semanas atrás, quando, de repente, aceleraram.
— As obras começaram pra valer há umas duas ou três semanas. Querem completar tudo para virar propaganda — disse a funcionária pública Anabella Rocha, de 49 anos.
Já a bióloga Adriana Wollmann, 35, reclama ainda que a van disponibilizada pelo consórcio que realiza as obras está longe de prestar um serviço ideal.
— Ela demora muito e está em estado precário. É um desrespeito — disse.
MORADORES HOSTILIZAM SUBSECRETÁRIO
O subsecretário Rodrigo Vieira afirmou que há licença para a execução das obras até às 22h e raramente a norma não é estabelecida.
— Dificilmente trabalhamos até as 22h, mas se iniciamos um procedimento temos que terminar na mesma noite. Até por uma questão de segurança — explicou ele, que foi hostilizado pelos moradores.
Vieira disse ainda que a van foi uma determinação do governo para o consórcio e atende à demanda dos passageiros.
— Ela pode demorar um pouco para voltar depois que inicia o percurso, porque deixa todos em casa, mas fizemos testes e ela nunca vai cheia — afirmou.
Por enquanto, apenas o trecho entre a Rua Joaquim Murtinho e o Largo do Curvelo, com cerca de um quilômetro, está concluído. O subsecretário afirma que, dentro de 40 dias, outros dois quilômetros de trilhos serão finalizados. Ao todo, de acordo com a Secretaria da Casa Civil, serão entregues 14 novos bondes, um investimento total de R$ 110 milhões.
ATOS LEMBRAM TRAGÉDIA DE 2011
Para lembrar o acidente ocorrido em 27 de agosto de 2011 e homenagear as vítimas, moradores de Santa Teresa farão, nesta quarta-feira, uma série de eventos públicos. Com o nome de Marco 27, o ato começa às 7h nos Arcos da Lapa e tem programação durante toda a tarde. Às 15h30m, moradores vão se encontrar no Largo do Curvelo e seguirão até a Rua Joaquim Murtinho, local onde aconteceu o acidente, para deixar flores.
SINOS TOCARÃO PELAS VÍTIMAS
O Convento de Santa Teresa vai tocar os sinos às 16h, horário em que o bondinho tombou em 2011. Por fim, às 18h30m, será realizada uma cerimônia ecumênica na Igreja Anglicana do bairro.
— É um compromisso dos moradores do bairro. É um ato público que honra a memória de quem se foi, e isso vai continuar durante muito tempo — disse o diretor de transportes da Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast), Jacques Schwarzstein.
Ele acredita que as obras para o retorno completo do sistema de transporte à Santa Teresa devem demorar mais do que o previsto.
— Foi publicado no Diário Oficial, no ano passado, que o Consórcio Elmo-Azvi tinha o prazo de 12 meses para concluir a troca dos 18 quilômetros de trilhos e cabos elétricos dos bondes. Até agora, só fizeram obras no trecho que vai do local do acidente até a Lapa, o que não dá nem três quilômetros. Ou seja, não foi feito até o momento nem um sexto da obra — disse.
O acidente que resultou na suspensão do serviço de bondes matou seis pessoas e deixou outras 57 feridas. Um dos veículos descarrilou e tombou quando descia a Rua Joaquim Murtinho, na altura do número 273, próximo ao Largo do Curvelo. Na época, testemunhas afirmaram que o bonde tinha perdido o freio.