29/05/2016 - O Globo
Paulo Luiz Carneiro*
No dia 29 de março de 1956, o aumento do preço da passagem dos bondes, com o aval da prefeitura, pela Companhia Elétrica Light, que era proprietária das linhas no Rio, de um cruzeiro para dois cruzeiros, desencadeou violentos protestos. Os estudantes, tendo à frente a União Nacional dos Estudantes (UNE), paralisaram o serviço em toda a cidade, então Distrito Federal. Eles empilharam mesas, passaram graxa e sabão em barra nos trilhos para impedir a circulação dos veículos. A Faculdade Nacional de Direito, no Centro, transformou-se em campo de batalha. O GLOBO noticiou na primeira página: “Depois de generalizada confusão, soldados da Polícia Militar, armados de cassetetes e metralhadoras, prendem à força estudantes que estavam jogando xadrez na linha do bonde”.
A crise instalou-se nos dias seguintes, e movimentos contra os transportes públicos eclodiram em várias cidades do país, como Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre. Em nova manchete, em 31 de maio, o jornal estampou: “Exige o presidente medidas mais enérgicas para dominar de imediato a grave situação”. Nas páginas internas, o jornal descreveu que a vida da cidade fora paralisada parcialmente pelas depredações do dia anterior.
O alastramento da crise, com sindicatos e outros setores aderindo aos protestos, levou o presidente Juscelino Kubitschek a intervir, nomeando o comandante do I Exército, general Odilo Denis, governador militar da cidade. Em 31 de maio, a PM cercou a sede da UNE, na Praia do Flamengo, e os deputados da União Democrática Nacional (UDN), Adauto Lucio Cardoso e Mario Martins, tentaram impedir a entrada da polícia no prédio. Foram agredidos e, no dia seguinte, fizeram um duro discurso na Câmara dos Deputados, responsabilizando o governo pelo ocorrido.
No dia 2 de junho, em reunião no Palácio do Catete com estudantes da UNE, tendo à frente o presidente da entidade, Carlos Veloso, Kubitschek prometeu interceder junto ao prefeito Negrão de Lima, que assumira em 22 de março, para baixar o preço da passagem. Quatro dias depois, O GLOBO reproduzia o discurso do presidente, durante encontro com representantes da classe operária: “Desejo atender às classes trabalhadoras e sindicatos operários nos seus apelos quanto às passagens de bondes”. Nesse mesmo dia, o prefeito anunciou redução de 50 centavos no preço da passagem e a unificação dos transportes coletivos da cidade. Depois do pronunciamento, os protestos cessaram.
A revolta contra os transportes públicos, seja em protesto pelo aumento das tarifas ou para reivindicar melhores condições de uso, nunca foi novidade na cidade. Em janeiro de 1880, uma reação generalizada contra o aumento da passagem dos bondes tomou conta das ruas do Centro. O aumento em 20 reis (um vintém, a menor moeda da época), levou a população a atacar policiais com paralelepípedos, destruir trilhos e virar os bondes. Pelo menos três pessoas morreram e houve vários feridos. Também durante a Revolta da Vacina, em 1903, a população reagiu e tombou vários bondes. A insurreição durou três dias e rejeitava a vacinação obrigatória imposta pelo governo Rodrigues Alves e capitaneada pelo sanitarista Oswaldo Cruz para enfrentar o surto de febre amarela. Encerrou-se com a decretação do estado de sítio e a prisão dos líderes do movimento.
Em 22 de maio de 1959, um levante popular em Niterói contra o serviço de barcas entre a cidade e o Rio deixou seis mortos e mais de cem feridos. Além disso, os manifestantes depredaram e incendiaram a estação e a residência da família que administrava o serviço. O tumulto terminou com intervenção federal e a estatização do serviço. Quase 30 anos depois, em julho de 1987, o Centro do Rio voltou ser palco de conflagração. A população se revoltou contra um aumento de 49% nas passagens de ônibus, em pleno Plano Cruzado, que havia congelado os preços. Enfurecidas, cerca de 30 mil pessoas se envolveram no conflito, que acabou com 60 ônibus queimados e outros cem destruídos.
Mais recentemente, em julho de 2013, o preço da passagem dos ônibus na cidade aumentou 20 centavos, gerando grandes protestos, que foram marcados pela violência da polícia não só no Rio, mas também em cidades como São Paulo e Belo Horizonte.
A retirada dos bondes da paisagem urbana do Rio teve início nos anos 60. A Light alegou que o serviço começara dar prejuízo ainda na década de 50. O então governador Carlos Lacerda comprou as linhas em 1963 e, por decreto, extinguiu o meio de transporte, que foi substituído por ônibus elétricos, experiência que não deu certo. Em 21 de maio de 1963, os bondes da Zona Sul deixaram de circular, restando os da Ilha do Governador, Cascadura, Jacarepaguá, Alto da Boa Vista e Santa Teresa. Finalmente, em 1968, quase todas as linhas foram extintas, restando apenas a de Santa Teresa, que se transformou em atração turística.
Atualmente, a linha está sendo totalmente refeita, após o serviço ser interrompido em agosto de 2011, devido ao acidente que matou cinco pessoas e deixou mais de 50 feridos. A empresa que ganhou a licitação para modernizar o transporte já adiou a inauguração várias vezes. Desde janeiro, a linha está operando apenas em um pequeno trecho, de segunda a sexta-feira, das 11h às 16h.
*Com edição de Matilde Silveira
Violência. Mario Martins (UDN) discursa na Câmara dos Deputados: agredido pela PM durante invasão da sede da UNE Agência O GLOBO / 01/06/1956