segunda-feira, 22 de junho de 2015

Estado já pagou metade do valor do projeto do bonde de Santa Teresa, mas só 33% foram feitos

21/06/2015 - O Globo

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Consórcio responsável pelas obras do bonde de Santa Teresa é multado mais uma vez - O Globo

RIO - Em meio às desconfianças sobre a volta do bonde de Santa Teresa, só uma coisa é certa: a explosão do custo da obra, que está 49% mais alto que o valor inicial — era R$ 58,6 milhões, em junho de 2013, e passou para R$ 87,1 milhões. Ao todo, o governo estadual já desembolsou R$ 43,5 milhões, o equivalente à metade do atual orçamento. Apesar de os pagamentos terem sido feitos, os trabalhos avançam a passos de tartaruga: de um traçado de 10,5 quilômetros de extensão das linhas, apenas 3,3 foram executados pelo consórcio Elmo-Azvi, entre a estação Carioca e o Largo do Curvelo. Desse trecho pronto, no entanto, 60% estão sendo refeitos. Ali, houve um erro na instalação do rejunte dos trilhos com os paralelepípedos, que ficaram numa altura inadequada, impedindo o acionamento do freio magnético dos veículos. Por ironia, a falta de freio foi apontada como uma das razões do acidente que, em agosto de 2011, deixou seis mortos e 57 feridos, levando à paralisação do serviço.

Num efeito dominó, a lentidão das obras em Santa Teresa afetou a fabricação de 14 bondes encomendados pelo estado, por R$ 40 milhões, em 2012. Apenas cinco veículos foram entregues pela TTrans. O governo determinou a paralisação da produção para evitar o risco de a nova frota se deteriorar.

O levantamento da execução orçamentária das obras foi feito pelos deputados Luiz Paulo (PSDB) e Eliomar Coelho (PSOL). Os dados foram confirmados pela Secretaria estadual de Transportes. O titular da pasta, Carlos Roberto Osorio, afirma que o aparente descompasso entre o gasto do governo e o baixo percentual de execução dos trabalhos ocorre quando só é considerada a parte "física" da obra, como a reconstrução da via por onde passará o bonde. Segundo Osorio, os INVESTIMENTOS do governo também foram feitos em outras frentes, como a compra de 100% dos trilhos, a instalação de parte da rede elétrica aérea dos bondes e a conclusão da estação do Largo da Carioca.

— A obra é mais do que a construção da via permanente. Temos outras coisas executadas, como a subestação de energia elétrica e a compra de materiais, que devem ser levadas em consideração — afirma o secretário.

Atrasadas há um ano, as obras do bonde começaram a ser turbinadas por meio de termos aditivos. O primeiro deles, de R$ 10,5 milhões, foi celebrado três semanas antes do fim do contrato, cujo prazo expirava em 23 de junho de 2014. Segundo a documentação do contrato da obra a que O GLOBO teve acesso, a verba foi usada para a compra de materiais como barras de aço e fôrmas de chapas de madeira, entre outros itens, além da elaboração do projeto executivo de restauração dos Arcos da Lapa.

O segundo e último aditivo de preço acresceu R$ 17,9 milhões ao contrato, em 28 de agosto do ano passado. Na planilha de itens solicitados, estão citados, entre outros, materiais básicos como paralelepípedos, argamassa, rejuntamento e até parafusos. Também estão descritos serviços como, por exemplo, a necessidade de retirada de trilhos e levantamento topográfico.

OBRA SEM PROJETO EXECUTIVO

Segundo o secretário de Transportes, os aditivos foram feitos para suprir itens, materiais e serviços que não estavam previstos no projeto básico da obra. Osorio disse que a obra não tem projeto executivo. Com isso, surgiram imprevistos como contenções de encostas, que elevaram o preço. Outro exemplo foi a necessidade de adequação da via sobre os Arcos da Lapa, por exigência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

— Os aditivos cobriram esses custos que não eram esperados. O Iphan exigiu uma série de adequações, como, por exemplo, a instalação nas laterais de uma tela de proteção para impedir a queda de passageiros. Em junho de 2011, o turista francês Charles Damien Pierson morreu após se desequilibrar e despencar do bonde nos Arcos da Lapa.

O coordenador da Câmara de Engenharia Civil do Conselho Regional de Engenharia (Crea-RJ), Manuel Lapa, se disse surpreso ao saber que foram feitos aditivos até para a compra de itens básicos.



— Como podem faltar parafuso e paralelepípedo? Isso não é normal e é um exemplo de como não fazer uma obra. É uma amostra de como está errada essa forma de licitar, sem projeto executivo e um detalhamento maior. Na pressa, essas obras públicas se caracterizam pela falta de organização e pelo desperdício de dinheiro público.

O presidente da Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa, Jacques Schwarzstein, faz coro:

— O canteiro de obras é uma confusão. O consórcio faz uma parte. Em seguida, a CEG e a Cedae voltam para quebrar tudo de novo — diz ele, que também reclamou da falta de espaço para a passagem de pedestres no canteiro.

A falta de sinalização e barreira de proteção para os trabalhadores levou à interdição das obras pelo Ministério do Trabalho e Emprego, na semana retrasada. A maior parte do canteiro foi liberada semana passada, após a regularização da sinalização. No entanto, um trecho em frente ao Largo dos Guimarães continua interditado. A expectativa do governo estadual é liberá-lo amanhã.

A dificuldade de circulação em Santa Teresa também tem afetado o comércio da Rua Almirante Alexandrino. Ateliês, lojas e ambulantes estimam uma queda de pelo menos 50% nas vendas. Alguns até fecharam as portas, como foi o caso do Restaurante San Sushi, no número 382. Lucia Miranda lamenta a abertura do canteiro de obras a pouco mais de um metro do seu estabelecimento.

— O movimento caiu muito. As pessoas não conseguem chegar ao bairro. Quem vai se animar a comprar em meio à poeira e ao barulho de obra?

ESTADO ESTUDA PRORROGAR CONTRATO

A cinco dias do vencimento do contrato do consórcio, o secretário de Transportes busca junto à Procuradoria do Estado um meio para prorrogar por pelo menos mais três meses os trabalhos do Elmo-Azvi em Santa Teresa. Mesmo contrariado com o andamento das obras, Osorio diz que prefere esticar o prazo, para que as obras não sejam paralisadas:

— O consórcio terá mais três semanas. Até meados de julho, terá que concluir o "retrabalho" (entre o Convento de Santa Teresa e o Curvelo), fazer os trilhos até o Largo dos Guimarães e reabrir o trecho da Almirante Alexandrino próximo ao HOTEL SANTA TERESA. Se isso não for feito, romperemos o contrato.

Segundo Osorio, caso a empresa corrija o que foi feito errado até julho, o bonde deve voltar a circular em agosto, sem cobrança de tarifa, pelo menos num trecho de 1,7 quilômetro entre Carioca e Curvelo:

— Essa será a fase de pré-operação. Bondes circulariam das 11h às 16h no primeiro mês. Em seguida, passariam a operar em horário comercial.

Procurado, o consórcio não quis se pronunciar. O GLOBO tentou contato com a espanhola Azvi, que é responsável pelas obras civis (como instalação de trilhos) e detém 90% do contrato. A empresa não retornou as ligações. A Azvi também atua no Chile, onde participa de concessões de rodovias e da construção de uma ponte levadiça na cidade de Valdivia. A ponte, que não está se abrindo, está atrasada há mais de um ano, segundo o jornal "El Mercurio", do Grupo de Diários América (GDA). A Elmo Eletro Montagens LTDA, que faz a parte elétrica dos bondes, também não comentou o assunto.

CRONOLOGIA

Agosto de 2011: Um bonde descarrila e tomba na Rua Joaquim Murtinho. O acidente deixa seis mortos e 57 feridos, paralisando o serviço.

Setembro de 2012: Abertura da licitação para reestruturação do sistema dos bondes.

Junho de 2013: Início da vigência do contrato para obras, orçadas em R$ 58 milhões, de reformulação do serviço.

Junho de 2014: O consórcio Elmo-Azvi recebe um aditivo de R$ 10,5 milhões.

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