26/12/2014 - O Globo
Até agora, 4,2 quilômetros de trilhos foram instalados. Para completar o sistema, faltam mais 10,9 quilômetros
POR RODRIGO BERTOLUCCI
Num trecho do bairro próximo ao Largo do Guimarães, a instalação ainda incompleta dos novos trilhos do bonde: moradores se queixam da demora das obras - Gustavo Stephan / Agência O Globo
RIO — Apaixonada por Santa Teresa, Cristiane Matos, que há três anos mora em Nova York, onde trabalha como guia de turismo, levou, na última terça-feira, o amigo mineiro Fábio Lopes para conhecer, pela primeira vez, as belezas do bairro carioca. O que ela não esperava era ter que subir as ladeiras a pé. Prometida inicialmente para junho deste ano, a conclusão das obras do bonde de Santa Teresa, após sucessivos adiamentos, está prevista para o fim de 2015, de acordo com a Secretaria estadual da Casa Civil. Os trabalhos, que já custaram ao estado R$ 110 milhões, incluem o trecho até o Silvestre, desativado há cinco anos. Até agora, 4,2 quilômetros de trilhos foram instalados e 1,3 quilômetro ainda está em implantação. Para completar o sistema, faltam mais 10,9 quilômetros. Ou seja, a obra não chegou à metade.
— Amo Santa Teresa, principalmente a gastronomia da região, isso sem falar da parte cultural e da vista linda que temos da cidade. Mas sem o bondinho não é a mesma coisa. Quero de volta esse patrimônio carioca — lamenta Cristiane, acrescentando que visita o bairro sempre que volta de Nova York.
— Queria muito ter usado o bondinho. É cansativo subir Santa Teresa a pé — completa o amigo mineiro, deslumbrado com a vista.
TESTES COMEÇARAM EM MAIO
O atraso na entrega do novo sistema de bondes é atribuído pelo governo do estado às obras de concessionárias, como CEG e Cedae, ao longo do percurso, e à execução de reformas que precisavam de autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) — como as dos Arcos da Lapa. Os primeiros testes do bonde começaram em maio, na sede da empresa T'Trans, em Três Rios. O primeiro dos 14 bondes passou a circular pelas ruas do bairro, em caráter experimental, em agosto.
Na avaliação do presidente da Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast), Jacques Schwarzstein, o ritmo anda lento demais. Segundo ele, os trabalhos na Rua Joaquim Murtinho, que corta o Largo do Curvelo — onde fica o primeiro segmento das obras — estão aparentemente prontos. Porém, os trechos que se estendem para o Largo do Guimarães, e, em seguida para o Silvestre e o Largo das Neves ainda estão longe do fim:
— Somando os trechos que faltam e comparando ao que está pronto, ainda falta muito. Se levaram um ano para fazer um quinto do trabalho, para concluir todo o serviço pode levar mais, pelo menos, quatro anos, se continuar nesse ritmo. Isso significa que o acesso ao bairro está prejudicado, o que é lamentável, já que vivemos num bom momento turístico para o Rio.
Schwarzstein acredita que, mesmo com o término do primeiro trecho, o bairro vai continuar sem o tradicional sistema de transporte.
— Santa Teresa continuará com obras e sem o nosso bonde. Quem sofre com isso? Nós, a comunidade, pois estamos sem transporte público e com a mobilidade prejudicada — reclama ele, afirmando que os moradores não têm o que comemorar, apesar de o Rio estar na pauta de eventos internacionais, como as Olimpíadas.
Outra preocupação do presidente da Amast é a Rua Joaquim Murtinho, onde os trilhos foram trocados, e a via ficou sem o meio-fio.
— Os paralelepípedos estão no mesmo nível da calçada. No período de chuva, é impossível dizer o que vai acontecer. Tememos um desastre — reclama ele, destacando que as obras têm problemas de qualidade.
A cidade, vista de cima do morro de Santa Teresa, para a argentina Júlia Tesaro, de 25 anos, é um espetáculo. Porém, subir o bairro a pé não foi uma missão fácil para a turista, que tirou a última terça-feira para conhecer o lugar.
— Confesso que fiquei cansada — conta Júlia, que está no Rio pela terceira vez e nunca conseguiu andar de bondinho.
'NÃO AGUENTO MAIS POEIRA'
Desde quarta-feira, segundo a Casa Civil, foi liberada a circulação de veículos nas ruas Francisco Muratori e Joaquim Murtinho, normalizando o itinerário dos ônibus. Mesmo assim, Marly Soares dos Santos, moradora do bairro há quase 40 anos, lamenta o caos na região.
— Não aguento mais poeira. Qualquer hora vou ficar doente. Em breve teremos que andar a cavalo. Só assim conseguiremos nos locomover sem prejudicar nossos carros — ironiza ela.
O sistema está parado desde 27 de agosto de 2011, quando seis pessoas morreram e 57 ficaram feridas num descarrilamento na Rua Joaquim Murtinho. Foi o pior acidente com o bonde de Santa Teresa — um dos símbolos do turismo no Rio. O veículo saiu dos trilhos, derrubou um poste e tombou numa curva. Antes disso, ele teria perdido os freios. Quatro passageiros morreram na hora. Algumas vítimas foram jogadas para fora e esmagadas pelo próprio bonde. O condutor Nelson Correia da Silva chegou a ser socorrido, mas acabou morrendo. O bondinho ficou completamente destruído. O laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) detectou 23 problemas no veículo.
ENQUANTO O VERDADEIRO NÃO VEM
Um bondinho cenográfico, criado pelo artista plástico Getúlio Damado, chamava a atenção de quem passava por Santa Teresa na última terça-feira. Há mais de uma década, ele, que é morador do bairro há quase 30 anos, se veste de Papai Noel e distribui doces para as crianças. O veículo, com três metros de comprimento e um de largura, com capacidade para cinco lugares, faz o mesmo trajeto do verdadeiro bondinho. Damado trabalha com produto reutilizado, que se transforma em arte.
— A intenção é passar uma mensagem natalina. Eu faço brinquedos artesanais e não quero deixar morrer esse espírito. O bondinho foi a forma que encontrei de retribuir o carinho que as crianças têm por mim. Fiz especialmente para os pequenos — explica o artista plástico.
Há anos, Damado circula com seu bonde cenográfico - Rodrigo Bertolucci / O Globo
O bondinho cenográfico que desfila pelas ruas do bairro foi confeccionado há quatro anos. Mas, antes, Damado já havia feito outro, um pouco menor. Sobre o bonde do bairro, Damado lamenta a falta do sistema.
— O bonde faz muita falta, não apenas como meio de transporte para nós moradores, mas também para trazer os clientes até o meu ateliê. A comunidade toda perde com isso. Meu movimento, por exemplo, caiu 50%, o que lamento muito. Para mim, é como perder um parente — compara ele, cujo ateliê fica instalado na Rua Almirante Alexandrino, em frente à 7ª DP.
Para o presidente da Amast, Jacques Schwarzstein, o trabalho de Damado é de extrema importância para o bairro.
— Ele faz a festa da garotada de Santa Teresa e isso é muito gratificante.
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