quinta-feira, 23 de julho de 2015

O inferno astral de Santa Teresa

23/07/2015 - O Globo

Presidente da Amast, Jacques Schwarzstein - "A esta altura do campeonato, estamos lutando para que a obra seja concluída. Não é nem mais para reduzir o tempo"

Sentado num banquinho na calçada, Arnaudo Gomes de Souza observava, próximo ao Largo dos Guimarães, a rua tomada por obras. Era quase meio- dia de ontem, hora do almoço. Sem clientes para recepcionar, o dono de um dos restaurantes mais tradicionais de Santa Teresa, o Bar do Arnaudo, era o retrato fiel de um bairro tomado pela melancolia. Mês que vem, fará quatro anos que os bondes deixaram de circular, após um acidente com seis mortos. Nesse período, as obras para colocá- los de volta nos trilhos se arrastaram, espalhando descrença e prejuízos. O novo prazo para concluí- las escapou do governador Luiz Fernando Pezão anteontem: devem ficar prontas, agora, somente no primeiro semestre de 2017. O que só prolonga o inferno astral do tradicional bairro, que se ressente ainda da escalada da violência.

Todos sofrem: moradores, comerciantes, artistas e também quem visita suas ladeiras. Só nos setores de comércio e serviços, aponta Natacha Fink, integrante da Associação de Amigos e Empreendedores do bairro ( Ame Santa, que reúne 25 empresários), as perdas no faturamento se mantêm perto dos 40%, com o fundo do poço registrado em maio passado, quando chegaram a 60%. Em relação ao período anterior às obras, no caso do Bar do Arnaudo, a queda no movimento chega a pelo menos 60%.

— Os clientes foram embora. Ficaram as pedras e a poeira. Só há movimento nos fins de semana e um pouco na sextafeira. Ainda tenho o privilégio de ter um imóvel próprio. Mas quem paga aluguel não vai aguentar. A incerteza é geral — diz Arnaudo.

O acidente com o bonde — na Rua Joaquim Murtinho, em 27 de agosto de 2011 — desatou um período de turbulências em Santa Teresa. Na época, o então governador Sérgio Cabral admitiu que o sistema estava sucateado e mal gerido, interrompendoo. Dois anos depois, em novembro de 2013, o governo anunciou o início de obras para recuperá- lo. Na ocasião, prometeu que, ao longo de 2014, os bondes estariam de volta.

SUCESSÃO DE FALHAS DE PLANEJAMENTO

Depois de erros e imprevistos, como um problema no rejunte dos trilhos com os paralelepípedos, apenas cerca de 33% das obras ( ou 3,5 quilômetros) foram concluídos pelo consórcio Elmo- Azvi. Os testes operacionais com os primeiros bondes só começaram no último dia 7. O governo vinha evitando falar num novo prazo para o término das obras, embora os custos estimados das intervenções já sejam 49% mais altos que o valor inicial — eram R$ 58,6 milhões, em junho de 2013, e passaram para R$ 87,1 milhões.

Até que, num descuido, durante uma visita ao canteiro de obras da Linha 4 do metrô, o governador Pezão falou anteontem sobre o novo prazo para o término dos trabalhos. Ele chegou a dizer que tudo ficaria pronto em meados de 2016, para depois, após uma troca de olhares com o secretário estadual de Transportes, Carlos Roberto Osorio, retificar:

— Queremos estar com toda a obra pronta lá para o o primeiro semestre de 2017. Estou priorizando recursos para não ter descontinuidade. Mas não é um lugar fácil de trabalhar. Já tivemos muitos problemas — disse ele, que chegou a fazer um mea culpa. — Acho que houve falhas do governo do estado na interlocução com os moradores. Mas isso foi retomado com a gestão do Osorio. Acredito que a obra vai tomar ritmo.

O novo prazo foi mais um balde de água fria para os moradores, que já não suportam a espera.

— A esta altura do campeonato, estamos lutando para que a obra seja concluída. Não é nem mais para reduzir o tempo. Mas para garantir que termine com qualidade e segurança — diz Jacques Schwarzstein, presidente da Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa ( Amast).

Pedro da Luz Moreira, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil ( IAB) e morador do bairro, afirma que uma sucessão de fatos evidencia que a falta de planejamento da obra — que sequer teve projeto executivo, por exemplo — contribuiu para os atrasos.

— O que está sendo realizado não corresponde a um terço das obras. Se a gente olha para trás e vê a quantidade de imprevistos, não acredita até que o novo prazo dado pelo governo seja cumprido — diz ele, embora continue otimista em relação a uma melhora do bairro.

A esperança de que a vida volte ao normal é compartilhada pelo artista plástico Luiz de França Zod — autor da logomarca do bonde "chorando", que virou febre nas ruas do bairro após o acidente de 2011. Ontem, ele colava no Largo dos Guimarães um pôster declarando seu amor por Santa, numa forma também de protesto:

— Recentemente, as obras até parecem andar com mais velocidade. Santa Teresa sem o bonde fica sem sua alma, sem sua poesia.

TRECHO EM PRÉ- OPERAÇÃO ESTE MÊS

Pelo menos um gostinho da Santa Teresa dos veículos amarelinhos poderá ser revivido até o fim deste mês, garante Osorio. Segundo ele, em breve entrará em pré- operação, das 11h às 16h e sem cobrança de passagens, o trecho do Largo da Carioca até o Curvelo, único com obras finalizadas. O secretário diz ainda que o prazo de 2017 anunciado por Pezão representa um cenário mais pessimista. De acordo com ele, o cronograma está sendo reavaliado e o término pode ser antecipado.

No momento, segundo a Secretaria estadual de Transportes, são realizados trabalhos de instalação de trilhos, concretagem e asfaltamento num trecho da Rua Paschoal Carlos Magno. Também são feitos escavações, instalação de trilhos, concretagem e asfaltamento na Rua Almirante Alexandrino, entre o Largo dos Guimarães e a esquina da Rua Cândido Mendes. Esses serviços devem estar prontos até o final de agosto.

Em seguida, serão executadas obras do Largo dos Guimarães até o pátio de oficinas dos bondes, na Rua Carlos Brant, com prazo de conclusão para o final do mês de setembro. Caso as metas estabelecidas não sejam cumpridas, o governo do estado poderá cancelar o contrato com o consórcio construtor.

— Em setembro, devemos apresentar um cronograma oficial e definitivo das obras — afirma Osorio.

Enquanto isso, numa tentativa de continuar atraindo os olhares para o bairro, os eventos em Santa Teresa driblam os transtornos das obras. No próximo fim de semana, por exemplo, acontece a 25 ª edição do Arte de Portas Abertas. De acordo com Regina Marconi, da Associação dos Artistas Visuais de Santa Teresa, a expectativa é que os ateliês participantes recebam até 30 mil pessoas. Se o bonde estivesse operando, diz ela, o número poderia ser muito maior:

— Era comum que as famílias aproveitassem a festa para andar de bonde. Estamos com saudade da alegria dos bondinhos.

TÁXIS SE NEGAM A IR AO BAIRRO

Outros meios de transporte no bairro também são motivos de queixas. No Bar do Mineiro, o gerente Alexandre Tulio Paixão diz que o faturamento caiu 30% desde janeiro deste ano, o que atribui também a outro empecilho:

— Os frequentadores reclamam muito mesmo é dos táxis, que não querem subir até o bairro por causa das obras. Um cliente tentou parar cinco táxis e só o último aceitou subir. Isso tudo por causa dessas obras, porque o trânsito fica uma loucura. Os ônibus substituem os bondes, mas não são nem um pouco eficientes.

No setor hoteleiro, a diretora- geral do Hotel Santa Teresa, Mônica Paixão, reclama do fato de seus clientes terem de conviver com o caos:

— O hotel ficou desde março de 2014 sem a portaria principal. Só foi liberada há duas semanas. O bondinho é a principal atração para os estrangeiros e faz falta.

O aumento da violência também preocupa. Em maio, a guerra pelo controle do tráfico no Morro da Coroa, que tem uma Unidade de Polícia Pacificadora ( UPP) desde fevereiro de 2011, deixou oito mortos. No segundo trimestre deste ano, entre abril e junho, os registros na delegacia do bairro, a 7 ª DP, também apontaram uma piora na situação: foram 81 assaltos a transeuntes, contra 63 no mesmo período do ano passado ( um aumento de 28,5%).

No último domingo à noite, um bandido com uma pistola e outro com uma granada assaltaram a Santa Quitanda, no Largo dos Guimarães. A poucos metros da 7 ª DP, eles fizeram funcionários e clientes reféns e fugiram levando celulares, dinheiro e produtos como uísque, vinho e cigarros.

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