sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Um ano depois da tragédia do bonde, Santa Teresa dá a volta por cima

23/08/2012 - O Globo

Novos cafés, bares, galerias, casas noturnas e festas agitam o bairro.

Turistas e visitantes movimentam Santa Teresa Paula Giolito / Agência O GLOBO
RIO Cravados sobre as ladeiras de Santa Teresa, os trilhos do bonde são uma saudosa lembrança do mais charmoso meio de trasporte da cidade, que, sucateado, parou de circular em 27 de agosto de 2011, quando um acidente deixou seis mortos e mais de 50 feridos. Apesar da falta que o tranvia faz, um ano depois da tragédia o bairro deu a volta por cima, com uma leva de novos cafés, bares, festas e casas noturnas. Nas tardes de fim de semana, o vaivém de gente nas calçadas não deixa mentir: Santa Teresa vai muito bem, obrigada.

Um bom exemplo é o aconchegante Café das Ruínas, que funciona desde maio ao lado do casarão principal e tem uma vista de cartão-postal, de cara para o Pão de Açúcar. Antes, o lugar só tinha brunchs de vez em quando. Mas, desde que Natacha Fink (dona também do Espírito Santa) assumiu o comando, o café vem servindo desde petiscos, como empadas de bobó de camarão (R$ 3) e bolinhos caseiros (R$ 3), a opções mais incrementadas, como banana-da-terra levemente tostada com pesto de manjericão e gorgonzola (R$ 15). A ideia de reabrir o café surgiu da própria Natacha, que, durante os sete anos em que morou no bairro, passeava sempre por ali.

Além do café, do visual e do jardim em si, o programa tem uma pegada cultural: estão em cartaz ali a conhecida e elogiada montagem de A alma imoral (com Clarisse Neskier, até 16 setembro) e a exposição Géza Heller: um carioca sonhador, com desenhos do arquiteto húngaro que retratam a história da cidade.

O Parque das Ruínas é um lugar de que sempre gostei. Queremos oferecer um serviço de conveniência para as pessoas que o visitam. Procurei fazer uma coisa que unisse quem vem visitar o lugar aos sabores brasileiros conta Natacha, acrescentando que, depois do acidente, o movimento do seu outro restaurante, o Espírito Santa, baixou, mas agora vai de vento em popa.

Antônio Lima, garçom do tradicional Bar do Mineiro, confirma: a movimentação está intensa.

Durante a semana caiu um pouco (a frequência), mas nos finais de semana os clientes vêm, seja de ônibus, carro ou táxi afirma.

No Largo dos Guimarães, outro restaurante novinho em folha valoriza os sabores da culinária brasileira. Inaugurado no último sábado, o Café do Alto segue a linha da matriz, há dez anos no Alto Leblon, e oferece um cardápio nordestino. Além de almoço e ceia da tarde, a casa terá bufê de café da manhã (R$ 40) com bolo de fubá, aipim e queijo de coalho. Na decoração, elementos que remetem à cultura do Nordeste, com chita no forro das cadeiras e bonequinhas formando uma cortina.

O bairro tem tudo a ver com a nossa proposta diz Mariana Villas-Bôas, dona do café que ocupa o lugar onde funcionava o restaurante Jasmim Manga.

Também tem cheiro de tinta fresca na Casa do Barista, que reabriu em junho depois de sete meses em reforma, já que foi parcialmente destruída por um incêndio. Por enquanto, o espaço, repleto de maquinários e grãos de cafés, tem recebido grupos apenas por agendamento. Emilio Rodrigues, dono do casarão, também organiza oficinas e encontros que misturam conhecimentos sobre café e música. A proposta do evento Cafés, Sons e Outros Sentidos é experimentar novas formas de tomar a bebida.

A cidade está num bom momento, e o público está de volta ao bairro. Recebo muitos turistas em busca de um café de qualidade conta Rodrigues.

Logo embaixo da Casa do Barista funciona o charmoso restaurante Santè. No casarão com varanda de onde, para variar, tem-se uma vista daquelas! , os chefe Marcelo Castiglia e Bruna Percu também sofreram com o incêndio do vizinho. Com pouco mais de três meses de aberto, o lugar foi atingido pelo acidente e precisou voltar às obras. Reaberto em abril, tem esquema low profile: abre aos domingos para um brunch caprichado, com preços de variam de R$ 36 a R$ 49. Nos outros dias, funciona mediante reserva para menus fechados (de R$ 110 a R$ 140).

A novidade desta segunda fase de funcionamento são as Quintas com Jazz, com show ao vivo e menu fechado. A primeira edição aconteceu na semana passada e deu supercerto. Semana que vem tem mais.

Noite em Santa Teresa

Quer mais jazz? Então a boa é rumar para Santa Teresa no fim da tarde de domingo. A cada 15 dias, o Bellas Artes Guest House recebe a banda Jazz na Escada para levar um som. Os shows, que acontecem desde maio, têm atraído cada vez mais gente. A próxima edição acontecerá no dia 2 de setembro.

Já no simpático Cafecito, o som que domina é o da MPB. Aberto há pouco mais de dois anos, o lugar é ideal para encontros e reuniões menos agitadas. O casarão rústico abriga no primeiro andar uma loja com objetos de decoração e compotas. Na área externa, sob uma enorme amendoeira e uma sacada com vista para a rua, há uma cozinha com paredes de vidro, onde são preparados cafés, drinques, sucos e sanduíches. Um dos mais pedidos é o Campos de Carvalho (R$ 19,50), com gorgonzola, geleia de pimenta e cebola roxa.

Muitas pessoas ainda estão descobrindo a cafeteria. Havia uma pizzaria no segundo andar, mas agora está em obras. Deve voltar até o fim do ano explica a gerente da casa, Carolina French.

O cardápio tem também uma boa variedade de cervejas artesanais, o que faz com que muitos frequentadores queiram ficar noite adentro. Mas a regra é clara: às 23h é hora de pedir a saideira.

Outro que já abriu há um tempinho, no ano passado, mas que só recentemente conquistou seu lugar no roteiro do local é o Bar do Bonde, na Rua Almirante Alexandrino. No menu, a grande variedade de petiscos e cachaças é o ponto forte. Ali, a festa também termina cedo: a casa fecha à meia-noite.

Mas existe vida após as 12 badaladas em Santa Teresa. Um lugar que está bombando é a Casa do Barão, que há um ano abriga festas variadas todo fim de semana. Segundo os proprietários, o belo casarão pertenceu ao Barão de Mauá daí o nome, claro. Na parte de baixo, fica a pista de dança, que também abriga shows, e, em cima, um terraço a céu aberto e o bar, que vende cervejas, cachaças e Xiboquinha (R$ 3), uma bebida típica nordestina com cachaça, cravo, canela, limão, gengibre e ervas. Para comer, as opções são os caldos de feijão e ervilha (R$ 5) e cachorro-quente (R$ 3,50) .

Entre a programação fixa da casa, há duas festas mensais e o forró aos domingos, chamado Forró de Teresa, Q de Santa Só Tem o Nome. A festa Soul de Santa rola toda segunda sexta-feira do mês, e traz um repertório de black music. Na terceira sexta, é a vez da Vinil é Arte. A partir do mês que vem, mais uma festa entra no calendário fixo da casa: a Santa Pernambucana, com música de Pernambuco (claro!), que vai rolar no último sábado de cada mês.

A nossa programação é voltada principalmente para a música brasileira, o que atrai muitos turistas estrangeiros. Mesmo assim, cada vez mais cariocas têm aparecido diz Paulo Roberto Marburg, organizador de eventos do espaço.

Uma delas é a advogada Luciana Lima, moradora de Botafogo, que levou suas amigas de Belo Horizonte para conhecer o espaço.

Já tinha vindo em três festas aqui. Minhas amigas queriam conhecer um espaço alternativo da noite carioca e me perguntaram sobre a Lapa. Eu acho que lá está saturado, então resolvi trazê-las para cá, que ainda é um lugar que muita gente não conhece diz Luciana.

Outra opção noturna que tem feito sucesso é o Portella Bar, que funciona há oito meses numa das esquinas do Largo dos Guimarães. Filial de uma tradicional casa paulistana, com 45 anos de funcionamento, o bar é especializado em culinária nordestina, com opções famosas como o portadella, um pastel de massa folheada recheado com mortadela, pistache e Catupiry (a porção com oito unidades sai a R$ 32); e o delícia da Lelê, um bolinho de siri com queijo coalho (a porção com seis custa R$ 26).

Nossos pratos e petiscos são conhecidos em São Paulo por gerações orgulha-se a consultora gastronômica do bar, Andreia Leal.

A decoração é um atrativo a parte, com garrafas penduradas sob o teto e quadros que remetem à cultura nordestina (olha ela aí de novo!). Às sextas-feiras, rolam shows de música ao vivo. Nos fins de semana, a casa também abre para almoço.

O Portella é um bar único e uma opção bem em conta diz a artista plástica Rosana Medeiros, que mora no Catete e frequenta o bar.

Do outro lado da rua, o Cine Santa também tem lugar cativo na programação cultural local. Depois de seis meses fechado para obras, o casarão reabriu no fim de junho. Toda a estrutura foi mudada, e o cinema ganhou uma tela maior, mais lugares e nova decoração. Os frequentadores aprovaram o conforto.

Antes, as cadeiras eram de madeira. Depois de uma sessão, a gente ficava dolorido. Com a reforma, o espaço ficou mais agradável conta Ellen Jou, que mora em Santa há mais de 30 anos.

Às vezes chamado de Montmartre carioca por conta tanto das ladeiras, quanto da grande quantidade de ateliês que abrigas, o bairro também vê sua cena artística se fortalecer. O tradicional Arte de Portas Abertas, que teve a última edição em julho, já conta com mais de 60 artistas participantes, além de várias apresentações musicais pelas ruas. No mesmo clima, o Circuito Oriente é um evento mensal que reúne quatro ateliês da Rua Oriente, o Estúdio Dezenove, o Ateliê Oriente, o EuVira e o Espaço Carambola. A cada 40 dias, as casas abrem suas portas para exposições e mostras fotográficas entre outras opções culturais. O próximo encontro acontece no dia 15 de setembro.

Antes disso, no dia 2, haverá mais um motivo para subir as ladeiras. É quando o charmoso Hotel Santa Teresa estreia o projeto Sunset Party, que vai rolar num novo deque à beira da piscina do hotel cinco estrelas. É cedo, das 17h às 22h. No som, músicas eletrônicas escolhidas pelo DJ Junior Machado.

Está tudo muito bom, está tudo muito bem. Mas o movimento intenso somado à falta do bonde gera um problema: nó no trânsito. Aos sábados e domingos, o sobe-e-desce nas ladeiras fica ainda mais complicado. Para o diretor da Associação de Moradores de Santa Teresa (Amast), Abaeté Mesquita, o tráfego no bairro está cada vez mais complicado.

O primeiro grande problema é a sensação de desordem, que é péssima tanto para o morador quanto para o vistante. O segundo, é a proliferação dos flanelinhas, que nos fins de semana chegam a cobrar R$ 10 reclama.

Para que as coisas melhorem, eles torcem pela volta do bonde. Mas precisarão de paciência: segundo a secretaria Estadual de Transporte, o novo sistema de bondes só ficará pronto no primeiro trimestre de 2014.

Para marcar um ano sem o bonde e reclamar da demora na sua volta, moradores e artistas do bairro fazem um ato público, neste domingo, das 18h às 22h. E, na segunda-feira, no Largo do Curvelo, a partir das 18h, há show com Saisse e os Bois, Sérgio Pascolato e Balança Teresa, entre outros. Tomara que, assim, as coisas entrem no trilho.

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