quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Devagar, quase parando, assim segue o bonde de Santa Teresa

02/08/2017 - O Globo

Com manutenção precária, só dois veículos operam ao longo do dia

 Não dá para perder o bonde. Intervalo de viagens chega a uma hora: na segunda-feira, serviço foi suspenso após único bonde enguiçar Foto: Guilherme Pinto / Guilherme Pinto
Não dá para perder o bonde. Intervalo de viagens chega a uma hora: na segunda-feira, serviço foi suspenso após único bonde enguiçar Foto: Guilherme Pinto / Guilherme Pinto

POR RENAN RODRIGUES 

RIO - “Táxi ou mototáxi?”. A pergunta, feita em alto e bom som por um mototaxista, rompe o silêncio na chegada ao Largo dos Guimarães, no ponto de bonde. Por causa da demora para o único bondinho em operação passar — o outro está encostado à espera de manutenção, que não acontece por falta de dinheiro, segundo funcionários no local —, o vaivém de pessoas oferecendo outras alternativas de transporte virou uma cena comum nas ladeiras históricas de Santa Teresa. Moradores do bairro criticam o aumento do intervalo das viagens, que pode chegar a uma hora.

‘Além da praticidade, o bonde é a alma de Santa Teresa. Trabalho no Centro e, quando saio mais tarde do trabalho, não consigo voltar de bondinho’- CRISTINA PAIM, Moradora de Santa Teresa

Apesar de garantir que o intervalo é menor, de 15 a 30 minutos o secretário estadual de Transporte, Rodrigo Vieira, reconhece que a pasta não tem recursos para a expansão e compra de novos bondes, devido à crise do estado. Ele negou que apenas um bonde operasse na segunda-feira. Vieira assegurou que há cinco veículos: dois se revezam na linha, um fica parado na Estação Carioca para alguma emergência e dois estão sempre em manutenção preventiva. A reportagem esteve na oficina, no Largo dos Guimarães, onde um funcionário afirmou que havia apenas um bonde passando por reparos.

No dia em que a reportagem do GLOBO acompanhou a operação, o trajeto foi interrompido, na parte da manhã, por 50 minutos porque um veículo estava enguiçado e não havia outro para substituí-lo. A secretaria, depois, confirmou a informação. Atualmente, de acordo com o secretário, o tíquete de R$ 20 — valor que só não é cobrado de moradores do bairro credenciados, estudantes da rede pública uniformizados e idosos — é a única fonte para manter o sistema operando. A arrecadação, segundo ele, gira em torno de R$ 130 mil por mês e cobre despesas com conta de luz, troca de peças e manutenção.

— No momento em que o estado tem prioridades, o fato de o bonde funcionar já é uma superação da equipe — defende Rodrigo Vieira.

BILHETERIA DO CURVELO ESTÁ FECHADA

Após o acidente de 2011, que tirou o bondinho de circulação, o veículo voltou a funcionar com intervalo de 20 minutos em 2015, durante a fase de teste. Na prática, a espera pelo bonde, atualmente, é de cerca de 40 minutos de manhã, entre 8h e 12h, e de até uma hora à tarde, segundo um funcionário da Estação Carioca. O transporte está disponível de segunda a sexta, das 8h às 17h45m. Aos sábados, o horário de funcionamento é das 10h às 18h. Segundo a secretaria, o sistema circulará excepcionalmente no próximo domingo, das 11h às 17h, porque a pasta realiza testes para, no futuro, oferecer o serviço todos os dias da semana. Vieira explicou também por que apenas cinco bondes foram entregues, apesar de o governo do estado ter licitado 15 veículos para pôr o sistema em operação. Ele negou que o problema tivesse a ver com dívidas do estado com a fornecedora. O secretário garantiu que o número de bondes está relacionado ao tamanho da rede:

— A gente faz o cálculo da necessidade de bondes pelo tamanho da via. Hoje, o intervalo é de 15 minutos a 30 minutos. A nossa ocupação média, de manhã, é de 20% a 25% dos assentos. À tarde, chega a 80%. A oferta de lugares e a demanda são compatíveis com o que praticamos. É um equilíbrio entre despesas e receitas.

Outro sinal de que os bondes circulam de forma precária é a bilheteria da Estação Largo do Curvelo, que está fechada. Rodrigo Vieira diz que, no passado, havia cobrança no local que, hoje, funciona apenas como uma parada. Segundo ele, na reabertura do sistema, foi decidido que a bilheteria no local não seria reaberta para “otimização de recursos”. Moradores de Santa Teresa reclamam. E mototaxistas se aproveitam do “apagão” dos bondes.

— Todos os mototáxis que trabalham em pontos próximos, como Centro e Glória, sobem as ladeiras — disse um deles, que cobra de R$ 4 e R$ 7, dependendo do trajeto.

A psicóloga Cristina Paim, de 35 anos, lamenta:

— Além da praticidade, o bonde é a alma de Santa Teresa. Trabalho no Centro e, quando saio mais tarde do trabalho, não consigo voltar de bondinho. O último sai da Carioca às 17h. Não é um horário que atenda aos moradores.