08/10/2011 - O Globo (granderio@oglobo.com.br)
RIO - O laudo final do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), da Polícia Civil, mostra que o bondinho de Santa Teresa que bateu num muro, matando seis pessoas e ferindo 56, no dia 27 de agosto, apresentava 23 problemas. Depois de analisarem o local do acidente, a oficina de manutenção, a rede elétrica e fazerem testes em laboratório das peças do veículo, os peritos concluíram, como mostrou o "Jornal Nacional", da Rede Globo, que o bonde número 10 não tinha condições de circular. E confirmaram o que testemunhas disseram após a tragédia: o motorneiro Nelson Correa da Silva tentou frear o veículo.
As irregularidades encontradas no bondinho vão muito além do remendo feito com arame em uma peça próxima a uma sapata do freio, descoberto logo após o acidente. Dentro do sistema de ar comprimido, responsável pelo acionamento dos freios, foram encontrados óleo e água - o que, segundo o laudo, evidencia falta de manutenção preventiva. O documento revela ainda que peças do eixo do bonde foram fabricadas artesanalmente ou estavam soldadas ao chassi de forma grosseira.
RELEMBRE: Confira fotos do acidente
Estopa usada como tampa de caixa de lubrificação
De acordo com o ICCE, o bonde tombou por falha no sistema de freios, causado por falta de manutenção adequada. Havia até uma estopa sendo usada como tampa da caixa de lubrificação. A superlotação do bonde também ficou comprovada: no momento do acidente, o bonde estava com excesso de passageiros: 62, enquanto o máximo permitido é de 40 pessoas.
A confirmação de que Nélson tentou parar a composição antes da tragédia, na Rua Joaquim Murtinho, foi possível através da análise do freio mecânico de estacionamento, sistema complementar que pode ser usado em emergências. O laudo, de 34 páginas, indicou que o sistema foi acionado, mas acabou falhando.
LEIA MAIS: Comissão havia verificado precariedade do sistema de bondes seis meses antes de acidente em Santa Teresa
No dia seguinte ao acidente, o secretário estadual de Transportes, Julio Lopes, disse que o motorneiro deveria ter conduzido a composição, que colidira levemente num ônibus horas antes do acidente, à oficina, o que, segundo ele, evitaria a tragédia. A declaração foi recebida com indignação por familiares de Nélson, que acusaram Lopes de culpar o motorneiro pela tragédia.
O relatório está nas mãos do delegado Tarcísio Andreas Jansen, da 7ª DP (Santa Teresa), responsável pelo caso. Ele deverá chamar para prestar esclarecimentos os responsáveis pela Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística (Central), empresa que administra os bondes do bairro.
Modernização teve 7% do orçamento previsto
A maior tragédia da história do bondinho de Santa Teresa expôs a fragilidade do sistema de transporte que atraía milhares de turistas. O laudo final do ICCE comprova o que representantes da Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast) costumavam repetir: o desastre foi mais do que anunciado. Conforme mostrou O GLOBO em 30 de agosto, o governo empenhou (reservou para pagamento), em 2007 e 2008, apenas 7% do previsto no programa de "revitalização, modernização e integração de bondes".
Depois do acidente, moradores de Santa Teresa fizeram uma série de protestos. Desgastado no episódio, o secretário estadual de Transportes, Julio Lopes, acabou saindo de cena com a nomeação do presidente do Departamento de Transportes Rodoviários (Detro), Rogério Onofre, como interventor do sistema de transporte sobre trilhos.
Os bondinhos estão parados desde o acidente. Onofre ressaltou que as composições só voltarão a circular quando houver "total segurança". Ele deverá anunciar medidas necessárias para garantir a volta de operação dos bondes. Será avaliada a possibilidade de municipalizar ou mesmo privatizar o sistema.
Imagens fortes foram postadas na internet em setembro monstrando pessoas sendo socorridas logo após o acidente . O vídeo, disponível no YouTube , mostra feridos sendo retirados das ferragens do bonde descarrilhado mesmo antes da chegada do Corpo de Bombeiros. As imagens, fortes, mostram o nervosismo de vítimas, de voluntários e mesmo de autoridades.
Na mesma semana, o governador Sérgio Cabral havia admitido que os bondes de Santa Teresa precisam passar por um processo de renovação. Segundo ele, não é possível entregar a administração dos bondes para a prefeitura do jeito que está.
- Eu assumo o erro. Vamos responder com algo que a população merece. Os dados mostram que os bondes representavam apenas 3% do volume do uso coletivo e ainda sim era muito desorganizado, com baixo número de funcionários e sem manutenção. É uma questão de honra - disse Cabral durante a manhã, ao participar de um encontro com empresários da Alemanha.
O acidente ocorreu na Rua Joaquim Murtinho, na altura do número 273, perto do Largo do Curvelo. Segundo o comandante do Destacamento de Bombeiros do bairro, Fábio Couri, quatro morreram na hora. Uma das vítimas chegou a ser levada ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos. Já a sexta vítima morreu dias depois no hospital.
Nenhum comentário:
Postar um comentário